Tenho que fazer um comentário, o Giovani tem uma memória daqueles tempos que realmente impressiona, lembrar o tipo de tecido do guardapó, essa foi demais, segue abaixo o texto que ele enviou:
Um pequeno aparte, antes de narrar mais um evento.
Uso o termo "estória" para cada narração, porque penso no conceito antigo desta palavra, que a "história" é feita de pequenos acontecimentos e eventos fragmentados.
Por isso, para mim, cada pequena lembrança, são fragmentos da nossa "grande história" que se materializou no 2º grau técnico.
Cada um de nós tem nossa história completa de vida, ou seja, um grande compêndio de inúmeros acontecimentos pequenos, que são as estorietas de cada fase da vida.
Depois de tantos anos, teremos certamente, todos nós criados a verdadeira e completa História do Liberato, com a participação de todas as pequenas recordações individuais.
Por isso, queridos colegas e amigos, relatem suas pequenas estórias, para que eu também possa saber mais do que acontecia, onde eu não estava naqueles momentos que vocês estavam.
Sei que com os olhos das gurias, eram vistas certas ocorrências e eventos com outras cores e significados, diferenciados da nossa visão.
Contribuam por favor. Só vai abrilhantar e aumentar nosso orgulho, de termos lá estado juntos, fazendo a história completa.
Abs,
Estória IV
Certa feita, que no tempo cronológico, era o primeiro dia de aulas mesmo.
Tudo muito instável e incerto.
O que seria de nós, do futuro e na vida?
Estávamos abandonando, outra vida certa e regrada de anos anteriores em outros colégios, para nos aventurar numa nova jornada, totalmente sem parâmetros e numa nova jornada em outra cidade.
O único parâmetro que eu tinha e de mais uns 4 colegas, era o do irmão do Batata (Ronaldo Agostini), o qual tinha feito Química e assim que se formou, havia ido para a Suécia, de cara ganhar em dólares. Sucesso absoluto!
Coisa parecida como os atuais jogadores de futebol, que hoje ganham um salário mínimo e seis meses depois, tem salários milionários. Riqueza em menos de um ano, já pensaram? E eu estava indo para este lugar estudar.
Tudo isso me seduzia, me guiava e me movia, me enchia de sonhos.
Naquele dia levantei energizado, pois dormir como?
Era verão quente, início de ano letivo, peguei o ônibus de manhã cedo e vejo que dentro dele, estavam alguns conhecidos antigos, já fardados com seus guardapós azuis (brim miluso) e outros com os de cor branca.
Os amigos eu reconheci prontamente e os outros ¨seriam" futuros colegas de colégio. Só por usarem guardapós e fazerem parte do Liberato.
O que nunca me aconteceu. Jamais me entrosei com os químicos e muito pouco com os mecânicos.
Era segunda vez que tivera ido a NH, a primeira só para fazer a inscrição e esta segunda, era o dia 'D"do início das aulas.
Um longo trajeto, com o ônibus parando em todas as paradas, de Canoas até NH.
No meio da viagem ali por Esteio vi uma coisa que me assustou e me intrigou um pouco.
Entrou no ônibus a marginália do Edgar Closs, do Pedro e do Carlos (negrinho - isca de onça) prometendo, que iriam dar pau, que iriam revidar, que não iriam deixar que fizessem com eles, que ia dar até morte.
Nós os Canoenses, nos olhamos e vimos nas mãos deles vidros de tinta colorida, e de bálsamo Alemão, e têmperas.
Assim foi a viagem toda, o nervosismo aumentado, tanto o meu quanto deles também, que se diziam por cima da situação e municiados.
E todos começaram a trocar tintas e se articularem estrategicamente.
Eu de sangue doce, pensava:
Vou esperar e tentar ver no que vai dar, esta orgia sobre os "BIXOS", pois não tinha mais volta para mim.
E rezava para que as autoridades do colégio, não deixassem acontecer nada de pior, com a nossa integridade física.
Eu não era de briga, e muito menos a intenção de entrar numa, mas eu estava sabendo que iria estar dentro do olho de alguma por lá.
Teria de me virar e dar solução. E dei mais uma respirada profunda, para pegar um ar mais fresco e acalmar.
O Edgar diz alto (com aquele vozeirão que ele tem), até o motorista olhou pelo espelho encima da sua cabeça:
- Se alguém vier me pintar eu vou dar o troco- Não quero nem saber!!! Vai sobrar...
E intimidou mesmo, acreditem...
Mas a sua fala era uma resposta ao seu extremo stress e nervosismo...
Passamos por São Leopoldo, Padre Réus (rezei- baixinho), pela rodoviária e saímos na Sharlau por cima da ponte.
Passamos a polícia rodoviária e foi ali que eu resolvi:
Vou descer aqui e volto amanhã, pois daí, já haveria passado todo este inferno.
Olhei para os lados e o Eduardo Haas e o Ronaldo, firmes olhando pela janela, só esperando o abate, fixos no horizonte.
Certamente pensavam:
- Por que fui me meter nisso aqui.
Ah! Eu pensei.
Morrer eu não vou. No máximo vão me judiar ou me pisar (termo que se usava). Vou revidar.
Afinal sou homem (ate então eu achava, antes de enfrentar a turba sanguinária na rampa de acesso).
No fim da viagem de ônibus, na subida da lomba da Turiscar, acontece um grande imprevisto.
O ônibus quebra e temos de ir a pé até o colégio desde lá embaixo, subindo a lomba na BR116 pelo acostamento.
Uma turma de gente todos fardados, parecendo uma romaria.
Deus que me perdoe, mas parece que houve articulação até nisso.
Subimos a lomba e lá em cima, teríamos de subir um caminho íngreme na encosta da federal, até a parte superior da vila, rumo então ao colégio.
Fui pelos outros, pelo rumo, só seguia.
Lá mais a frente, tinha um mato de eucaliptos e já ali tinha gente esperando, com aquelas malditas tintas coloridas e fedorentas, no pórtico de entrada, um portão de arame farpado.
Como eram apenas uns três alunos antigos, fiquei no meio da maioria que andava, para me salvar, o que deu resultado e eu consegui passar por eles.
Mas eles pegaram um e sacramentaram bem. Só ouvia os gritos e discussões... Nem olhei para trás e fomos em frente "ainda" salvos.
No fim do mato estavam mais uns quatro, esperando para dar o sacrifício, com latas de tinta e pincéis, e ali feneceram mais alguns.
Todos pintados e fedorentos de bálsamo, pois se corresse era jogado o bálsamo pelas costas com esguichos.
Nesse momento, dei minha primeira corrida, assim meio abaixado das benzidas de bálsamo.
Foi uma corrida não muito veloz para não aguçar a fúria, mas também não tão lenta, que ofendesse o brio deles, tipo gozação.
Neste exato momento fiquei amigo do Edgar e do Pedro pela primeira vez:
Vi os dois afastados embaixo nos esqueletos dos prédios, tirando uns tubos de tempera dos bolsos (que sai fácil com água), se passando a tinta na cara e cabelos.
Cada um por si.
-Olha ali!Eu disse para quem em acompanhava... Os caras se auto-flagelando???
Fui até eles e perguntei?
Qual é? Se prejudicando antes de ter certeza do ocorrido?
-Eles me responderam - Edgar e Pedro,
- Cara, eles vão pintar todo mundo sem dó nem piedade e com tinta a óleo e não vai sair de jeito nenhum depois.
Isto é têmpera e é garantido que sai fácil.
Eu Disse:
- Então me empresta um pouco.
- Bah terminou aqui tá vidro e jogou no chão. Limpinho por dentro; um era azul e um amarelo.
Peguei, mas se tentasse me pintar com aquele cheirinho, seria um pedido certo de quero mais, posteriormente.
Resolvi ir assim mesmo, de cara limpa e que Deus me ajude.
Nisso me dirijo até a rampa central onde todos teriam de passar. (porque tinha de ser ali?) mais articulação?
As outras entradas todas fechadas, pois lembro alguém vir até a rampa e dizer que não conseguiu entrar noutras portas.
Vê se pode! Um corredor polonês, nos aguardando!!!
Para mim, mais uma articulação.
Ali estava o Ronaldo se esquivando e subindo (acho que ele não foi pintado- ele só pode lembrar-se disto e nos contar), mas também estava o Eduardo Haas, preso entre dois carrascos, um rapaz e uma moça, um de cada lado com pincéis e latas de tinta a óleo pintando a cara dele, tripudiando sobre o mesmo.
Ela a moça não se contentava e relembrando sua primeira vez, (seu trauma de pintura), pega um tubo novo de pasta de dente e aperta inteiro na cabeça do pobre coitado e esfrega naquela longa cabeleira que ele tinha.
Eu fiquei do lado dessa coisa toda e pensando:
Se eu ficar aqui rindo junto com eles, eles pensam que eu sou deles e enganados, vão me deixar passar batido.
Assistindo aquela barbaridade sobre meu nobre amigo, zelando por ele, para não ter maiores ofensas... Bota amigo nisso!!!
Neste exato momento o Edu Grita:
Vão à merda todos vocês!
Eu inclusive claro!!!
E com toda a razão, ele.
Vão passar pasta de dente na bunda de vocês!!! Enquanto o olho direito dele estava cheio de pasta branca Kollinos, que tinha escorrido da cabeça e o coitado tentando tirar com os dedos a seco. A coisa cada vez pior e com o olho vermelho que nem brasa e doendo.
Choramingava grunhindo de raiva:
Isso não é coisa de gente normal!!!
Ora se isso é coisa que se faça com alguém.
E agora como é que eu vou assistir aula? .
Assim terminaram com ele, pq o cara tinha virado de um abnegado cordeirinho, para uma onça com filhotes.
O cara tava brabo mesmo e sem enxergar, abaixado até os joelhos dava soco no ar, afastando os caras que se aproximavam , tentando limpar o olho com o avental, e a seco.
Eu ria que não me segurava, (era fingimento, pois estava morrendo de pena dele, mas eu pensava que eles iriam se confundir que eu era um deles e iriam me largar fora), nem me dando conta que os dois estavam vindo até mim:
Gritaram!
Agora é ele! (eu no caso...)
Eu só dizia ainda imaculado sem nem uma pincelada:
Não... Eu não!!! Pra quê isso? Depois vou ter de ir pra casa de ônibus!
Os sádicos diziam:
-Nada não, não é nada!
-Faz parte do ritual do colégio.
-Ano que vem vocês aplicam nos outros e se vingam.
- Mas esta tinta não sai mais, disse.
-Sai sim! Um dia ela sai, disseram.
E dele tinta a óleo em mim.
A pior parte foi a tinta do cabelo!!!
Lembro da marca: Killing (pôxa. kill em inglês não é matar?) Killing= matando!
Tive de cortar uma mecha dias depois.
Voltei de ônibus com a cara toda pintada, como um maluco, pois de S Leopoldo pra cá, ninguém sabia do que se tratava.
Parece, que me lembro ter ouvido, algo assim:
Bah! Essa juventude não tem mais vergonha na cara, nem mais jeito!
Aludindo o fato aos Rockeiros e Hippies da época, que andavam de Kombi colorida e faziam aquela fumaça.
Afirmo isto realmente aconteceu.
Desafio sobre estas verdades se alguém me contestar e me fazer lembrar melhor algum fato.
A próxima será do Batata -Ronaldo Agostini que foi ao Silvio Santos cantar num domingo, lá pelo meio do curso.
Abs a todos e boas lembranças.
Giovani
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